domingo, 22 de janeiro de 2012

Porto 2011 – 10 anos depois da Capital Europeia da Cultura, um Porto vintage


Tarde chuvosa e cinzenta. Domingo. Novembro. Cidade do Porto.
Todas estas características conjugadas entre si são convidativas para qualquer pessoa se resguardar no conforto do lar. Contudo, neste dia decidi resistir a qualquer tentação e passear pelas ruas da cidade do Porto.

Na verdade, estamos em 2011. Há 10 anos atrás, o Porto recebia um dos maiores eventos culturais que a cidade jamais tinha assistido. As ruas esburacadas com as obras de requalificação enfureciam os comerciantes que viam dificultados os acessos às suas lojas pelo caos instalado. Os portuenses em geral perdiam a paciência com os constantes atrasos dos projectos mais simbólicos associados ao evento. Em abono da verdade, com toda razão, na medida em que, por exemplo, a Casa da Música apenas foi inaugurada em 2005 e que o Edifício Transparente tem hoje uma utilização deficitária. Por outro lado, foi muito criticada a intervenção nos Jardins da Cordoaria, Praça da Batalha ou Praça D. João IV. No entanto, passados 10 anos, a cidade do Porto já não é mesma que recebeu a responsabilidade de ostentar o título de Capital Europeia da Cultura. Estamos perante uma cidade diferente e, sem dúvida, melhor. 

Mas voltemos então para aquela tarde chuvosa e cinzenta de um domingo. É manifestamente aceite que Novembro é um dos piores meses para o turismo na maior parte das cidades europeias. Na verdade, o verão já vai distante e o Natal apenas no aquecimento. No fundo, tudo levaria a crer que uma tarde com aquelas características no Porto fosse completamente despida de pessoas e de movimento. Este seria, sem dúvida alguma, o cenário no ano de 2001. No entanto, estamos em 2011.

Ponto de mira: Cadeia da Relação. Um edifício carregado de história onde Camilo de Castelo Branco escreveu o “Amor de Perdição” privado da sua liberdade e que alberga o Centro Português de Fotografia. Foi aqui que iniciei o meu trajecto. A chuva intensa convidava a uma visita demorada. Enquanto acompanhava a exposição temporária de Marín, constatei que me encontrava rodeado de pessoas de diversas nacionalidades que circulavam pelas várias salas da exposição.

Foi difícil ganhar coragem para sair da Cadeira da Relação devido à chuva intensa, por isso esperei que acalmasse junto à porta enquanto observava descontraidamente o Jardim da Cordoaria. Neste momento, reparei que uma rapariga ruiva de olhos claros permanecia encostada à entrada do edifício igualmente com o olhar perdido na chuva que caía com abundância. Não é portuguesa, pensei logo. Deve estar à espera que a chuva acalme para poder sair, especulei. Alguns minutos depois, a minha curiosidade foi satisfeita. Chegou outra rapariga de cabelo preto e de tez pálida. Falaram em inglês com sotaque. Eram evidentemente estudantes Erasmus de nacionalidades diferentes que vivem no Porto e que combinaram usufruir da cidade, visitando a exposição no Centro Português de Fotografia. Após cumprimentarem-se, entraram e fiquei sozinho. Tinha chegado o momento para enfrentar a cidade chuvosa. 

A decisão passou por descer a Rua dos Caldeireiros iniciando o caminho até à zona da Ribeira. Os traços tradicionais das suas casas cinzentas definem as características associadas ao Porto de cidade escura. Ao longo da descida, cruzava-me com grupos de turistas de nacionalidade estrangeira que procuravam descobrir todos os recantos da cidade. Alguns espanhóis, outros sem dúvida ingleses. Mas muitos eram de nacionalidade difícil de identificar. Eventualmente de países do leste da Europa.

O habitual percurso turístico da cidade acaba por desaguar sempre na zona da Ribeira. Assim, em poucos minutos alcancei a Rua das Flores, o Mercado Ferreira Borges e, por fim, o famoso “Cubo” da Ribeira. É aqui que o charme da cidade mostra todo o seu encanto. Como a noite já tinha caído, as luzes da Serra do Pilar, da Ponte D. Luís e de Vila Nova de Gaia pintavam uma tela que é difícil perder na nossa memória. Grupos de turistas procuravam registar a imagem da cidade do Porto espelhada no Rio Douro através da mira das objectivas. Uns portugueses, mas vários estrangeiros. Um aglomerado de jovens bem junto do rio destacava-se de forma evidente. Eram belgas, mas poderiam ser italianos, japoneses, alemães. Já não ficamos surpreendidos com as pessoas que se cruzam pelo Porto.

Regressando da Ribeira, iniciei a subida da Rua dos Clérigos. No entanto, era difícil concentrar-me nas linhas iluminadas da famosa Torre devido ao som estridente das rodinhas das malas das dezenas de turistas que desciam a mesma rua em direcção à Estação de metro dos Aliados. Neste início de noite estava a acabar a aventura portuense para muitos. Provavelmente o destino final seria a estação do aeroporto onde iriam apanhar um voo da companhia aérea irlandesa Ryannair.    

Nos últimos 10 anos, o Porto conquistou visitantes de todo o mundo. O trio Ryannair, Metro & Erasmus mudou a cidade depois da Porto 2001. Actualmente, são milhares os jovens estrangeiros que escolheram a cidade para viver por um ou dois semestres ao abrigo do Programa de Intercâmbio universitário Erasmus. Por outro lado, muitos destes estudantes e demais turistas ocasionais visitam o Porto a um preço acessível devido à proliferação das companhias aéreas low cost, nomeadamente a Ryannair, que operam no aeroporto Francisco Sá Carneiro. Por fim, o metro permite aproximar as distâncias dentro da cidade.  

Em 2001 nunca imaginaria passear um domingo à tarde pelo Porto, cruzando-me com vários turistas e viajantes de outras nacionalidades com mapa na mão. Em 2011, essa é uma realidade a que temos de nos habituar. Recentemente, a Lonely Planet classificou a cidade do Porto como 4.º destino mundial de acordo com o critério de Best Value para 2012. Fica, assim, evidenciado que a cidade invicta continuará a ser um destino de eleição nos próximos anos.

Desta forma, 10 anos depois não podemos ignorar que o Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura criou uma cidade vintage. O Porto está definitivamente na moda!


Por Duarte Abrunhosa e Sousa

Texto escrito no âmbito do curso de escrita de viagens, organizado por Filipe Morato Gomes em Novembro de 2011.

Porto de Sentidos

Os relâmpagos salpicavam o Céu de luz por instantes efémeros naquele dia cinzento. Vagueava pelas ruas da cidade do Porto. Uma cidade cheia de dualidades, que é rude e charmosa ao mesmo tempo e onde cada canto encerra um mundo de experiências por desvendar. Uma dessas ruas é a Rua dos Caldeireiros,estreita como a maioria das ruelas do morro da Vitória. Ingreme, cinzenta, rude e charmosa. 
Esta zona da cidade está repleta de pequenas casas de pasto ou tascas. “Não bebe nada?” perguntou-me o senhor Joaquim à entrada de uma destas casas típicas. Naquele momento só se fosse um chocolate quente, mas creio que não era bem a isso a que o senhor Joaquim se referia. Optei por não entrar, mas a ficar um pouco à conversa. Em breves minutos, fiquei a saber que o meu novo amigo trabalhou no porto de Leixões, foi apontador. Quando lhe disse o que andava a fazer - a passear pela cidade de todos os dias em busca de novos olhares – respondeu: “Tem muito que ver, eu próprio não conheço tudo”. No meio das frases saía uma outra palavra em inglês, porque o senhor Joaquim gosta de falar inglês com a sua "filha doutorada". 
Despeço-me e sigo o meu carrinho errante. Dou por mim a olhar através da janela de um edifício. Lá dentro, uma sala cheia de jovens turistas que reunidos à volta de uma mesa cheia de computadores portáteis e máquinas fotográficas. Um jovem com ar nipónico desenha a Torre dos Clérigos. O ambiente é tão quente e acolhedor que não resisto a entrar. Trata-se do OportoPoetsHostel. Como a tarde não convidava ao passeio os hóspedes optaram pelo convívio e lazer no hostel. Esta é mesmo uma das grandes vantagens deste tipo de alojamento: a enorme confraternização entre hóspedes. Quase como se fosse uma grande casa de família. 


Procurei descobrir a história daquele local tão acolhedor. Porém, neste local, a recepção que recebi não foi tão calorosa com o ambiente e a decoração poderiam fazer crer. Não me responderam às perguntas que coloquei, nem me autorizaram a tirar fotografias. Não deixa de ser curioso que num local onde as coisas deveriam ser mais descontraídas e relaxadas sou recebida com maior formalidade. Não insisti muito mais e decidi continuar o meu caminho. 


Continuando a descida da Rua dos Caldeireiros, um edifício despertou a atenção na perpendicular Rua da Vitória. Na realidade, a brancura do seu granito na envolvente parda destacava-se dos demais. Decidi tirar uma fotografia do brasão que se impunha na fachada. Percebi, então, que estava perante um Hotel - VitoriaVillage. Ao ver-me observar e fotografar com interesse o edifício, Marco, o recepcionista, de imediato me convidou a entrar. Sem saber, estava prestes a entrar num outro Porto. Um Porto amplo, contemporâneo e bem desenhado.
O hotel nasceu da recuperação de um antigo solar degradado, usado como estacionamento e estava aberto desde de Abril deste ano. Desenhado por arquitectos italianos, conta com um elevador para os veículos automóveis como forma de vencer o grande desnível. O hotel oferece para já 14 confortáveis estúdios. O Jardim, recuperado a partir do anterior, constitui um espaço de recato e descanso. A sensação ao entrar no jardim é semelhante à de entrar num pátio marroquino – um oásis de tranquilidade do meio da confusão da cidade. Mas o VitoriaVillage tem importante bonús: a vista privilegiada para o Sé e a Torre dos Clérigos. Rapidamente imaginei uma noite quente de Junho, um cálice de Porto e aquela vista ao alcance de um mero olhar. Haverá melhor cartão de visita da cidade? Depressa regressei a Novembro com o som de um trovão. Estava ainda acompanhada por Marco. Com um orgulho desmedido no Hotel onde trabalha, Marco explicou-me o projecto de ampliação das instalações. Deixou-me com vontade de ser turista na minha cidade e terminar um dia de passeio a descansar num dos estúdios recatados à frente do jardim.


A luz do dia estava a desaparecer e o meu olhar sobre o porto também. Numa só rua: o senhor Joaquim que gosta de falar inglês, as famílias estrangeiras de classe média/alta que se alojam nos estúdios do Hotel VitoriaVillage e os jovens backpackers que descobrem a Europa (e a si mesmos) do OportoPoetsHostel. O que os une? A cidade do Porto na tarde cinzenta de um domingo de Outono. O Porto, em que a rudeza da paisagem e do granito se alia ao charme para um carácter romântico que torna a cidade distinta das demais. Tudo pode acontecer em escassas centenas de metros de uma rua da cidade do Porto. 


Texto escrito no âmbito do Curso de Escrita de Viagens, organizado por Filipe Morato Gomes em Novembro de 2011.