domingo, 22 de janeiro de 2012

Porto de Sentidos

Os relâmpagos salpicavam o Céu de luz por instantes efémeros naquele dia cinzento. Vagueava pelas ruas da cidade do Porto. Uma cidade cheia de dualidades, que é rude e charmosa ao mesmo tempo e onde cada canto encerra um mundo de experiências por desvendar. Uma dessas ruas é a Rua dos Caldeireiros,estreita como a maioria das ruelas do morro da Vitória. Ingreme, cinzenta, rude e charmosa. 
Esta zona da cidade está repleta de pequenas casas de pasto ou tascas. “Não bebe nada?” perguntou-me o senhor Joaquim à entrada de uma destas casas típicas. Naquele momento só se fosse um chocolate quente, mas creio que não era bem a isso a que o senhor Joaquim se referia. Optei por não entrar, mas a ficar um pouco à conversa. Em breves minutos, fiquei a saber que o meu novo amigo trabalhou no porto de Leixões, foi apontador. Quando lhe disse o que andava a fazer - a passear pela cidade de todos os dias em busca de novos olhares – respondeu: “Tem muito que ver, eu próprio não conheço tudo”. No meio das frases saía uma outra palavra em inglês, porque o senhor Joaquim gosta de falar inglês com a sua "filha doutorada". 
Despeço-me e sigo o meu carrinho errante. Dou por mim a olhar através da janela de um edifício. Lá dentro, uma sala cheia de jovens turistas que reunidos à volta de uma mesa cheia de computadores portáteis e máquinas fotográficas. Um jovem com ar nipónico desenha a Torre dos Clérigos. O ambiente é tão quente e acolhedor que não resisto a entrar. Trata-se do OportoPoetsHostel. Como a tarde não convidava ao passeio os hóspedes optaram pelo convívio e lazer no hostel. Esta é mesmo uma das grandes vantagens deste tipo de alojamento: a enorme confraternização entre hóspedes. Quase como se fosse uma grande casa de família. 


Procurei descobrir a história daquele local tão acolhedor. Porém, neste local, a recepção que recebi não foi tão calorosa com o ambiente e a decoração poderiam fazer crer. Não me responderam às perguntas que coloquei, nem me autorizaram a tirar fotografias. Não deixa de ser curioso que num local onde as coisas deveriam ser mais descontraídas e relaxadas sou recebida com maior formalidade. Não insisti muito mais e decidi continuar o meu caminho. 


Continuando a descida da Rua dos Caldeireiros, um edifício despertou a atenção na perpendicular Rua da Vitória. Na realidade, a brancura do seu granito na envolvente parda destacava-se dos demais. Decidi tirar uma fotografia do brasão que se impunha na fachada. Percebi, então, que estava perante um Hotel - VitoriaVillage. Ao ver-me observar e fotografar com interesse o edifício, Marco, o recepcionista, de imediato me convidou a entrar. Sem saber, estava prestes a entrar num outro Porto. Um Porto amplo, contemporâneo e bem desenhado.
O hotel nasceu da recuperação de um antigo solar degradado, usado como estacionamento e estava aberto desde de Abril deste ano. Desenhado por arquitectos italianos, conta com um elevador para os veículos automóveis como forma de vencer o grande desnível. O hotel oferece para já 14 confortáveis estúdios. O Jardim, recuperado a partir do anterior, constitui um espaço de recato e descanso. A sensação ao entrar no jardim é semelhante à de entrar num pátio marroquino – um oásis de tranquilidade do meio da confusão da cidade. Mas o VitoriaVillage tem importante bonús: a vista privilegiada para o Sé e a Torre dos Clérigos. Rapidamente imaginei uma noite quente de Junho, um cálice de Porto e aquela vista ao alcance de um mero olhar. Haverá melhor cartão de visita da cidade? Depressa regressei a Novembro com o som de um trovão. Estava ainda acompanhada por Marco. Com um orgulho desmedido no Hotel onde trabalha, Marco explicou-me o projecto de ampliação das instalações. Deixou-me com vontade de ser turista na minha cidade e terminar um dia de passeio a descansar num dos estúdios recatados à frente do jardim.


A luz do dia estava a desaparecer e o meu olhar sobre o porto também. Numa só rua: o senhor Joaquim que gosta de falar inglês, as famílias estrangeiras de classe média/alta que se alojam nos estúdios do Hotel VitoriaVillage e os jovens backpackers que descobrem a Europa (e a si mesmos) do OportoPoetsHostel. O que os une? A cidade do Porto na tarde cinzenta de um domingo de Outono. O Porto, em que a rudeza da paisagem e do granito se alia ao charme para um carácter romântico que torna a cidade distinta das demais. Tudo pode acontecer em escassas centenas de metros de uma rua da cidade do Porto. 


Texto escrito no âmbito do Curso de Escrita de Viagens, organizado por Filipe Morato Gomes em Novembro de 2011.

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